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Muito além do último ônibus

  • Foto do escritor: Lilix
    Lilix
  • 17 de nov. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 19 de nov. de 2024

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Aquela grande loja de Departamento, recém-inaugurada,  havia me envolvido completamente, fazendo com que eu perdesse, por completo, toda noção do tempo, mas ao deixá-la, com três bolsas repletas de artigos, eu estava feliz pelo prazer que iria me proporcionar entregar cada um daqueles presentes. A movimentada Praça Tiradentes no centro do Rio, dentro do seu horário de pico, muito diferenciava das 23 horas, onde o tempo frio e chuvoso, os poucos transeuntes, refugiando-se nos pequenos espaços cobertos, à espera dos seus ônibus, compunham uma exótica sinfonia de assombroso silêncio. Ao me aproximar do ponto final do meu ônibus, o vi ganhar a distância e logo percebi que acabara de perdê-lo e que agora... Bem, agora, teria uma longa espera pela frente até o próximo. Temendo não ser nada seguro ficar àquela hora da noite, sozinha, naquele local, praticamente deserto, observei nos outros pontos, se havia algum que pudesse me deixar o mais próximo possível do meu destino, infelizmente, devido ao horário todos já haviam partido e a maioria, para sua última viagem.

Minha única alternativa possível naquele momento seria embarcar em um que me levasse até o bairro de Inhaúma e lá, com sorte, seguiria em outro, para o Largo do Bicão, de onde a distância até minha casa poderia ser contornada a pé numa caminhada de cerca de vinte minutos, apesar de toda a subida íngreme que ainda teria que enfrentar com meus presentes.

Dando sequência à baldeação, no ônibus, durante o trajeto vi apreensiva todos os passageiros descerem um a um, até ficar apenas eu, o Motorista e o Trocador. Ao chegar no ponto final, notei que caso descesse, estaria  sozinha, à meia noite, num lugar deserto. Por puro temor, pensei em retornar naquele mesmo ônibus até o centro da cidade com a intenção de embarcar em um que me levasse direto à minha casa, mas fui comunicada pelo trocador que aquela seria a última viagem e que dali, iria para à garagem.

Sem alternativa, me vi, no adentrar da madrugada, num ponto de ônibus vazio e como era um lugar bem deserto resolvi não ficar parada ali e por absoluto receio decidi procurar outro lugar, com algum movimento que me fizesse me sentir segura.

Em nenhum momento da minha vida, eu havia passado por algo semelhante. Estava sobressalta, numa rua completamente deserta, numa estranha parada, esperando por um ônibus sem nenhuma perspectiva de sua chegada.

Observei ao redor na esperança que houvesse algum lugar onde pudesse, pelo menos, aguardar com certa tranquilidade e então percebi um extenso muro que não dava ideia do que era e com um olhar mais atento, identifiquei um prédio grande e  iluminado que julguei ser uma escola e caminhei em sua direção. Quando estava bem próximo pude ler a Inscrição e levei um grande choque ao perceber que eram Capelas e que o muro que eu estava percorrendo em sua volta, há algum tempo, nada mais era do que o muro do conhecido cemitério de Inhaúma.

Sem saber o que fazer, vi chegar dois carros, um da funerária e outro levando algumas pessoas, certamente parente do falecido e para não ficar sozinha mais do que já havia ficado, fui me aproximando e os segui. Subi a rampa da capela, devagar e quando cheguei na parte superior, vi que o corpo que vi chegar, estava acomodado sobre a mesa fúnebre, sozinho numa sala e o pessoal da funerária havia ido embora.

Para completar minha sina o frio durante a madrugada havia aumentado e parecia se ampliar ainda mais ali naquele no banco da ampla sala e o único jeito que encontrei para suavizá-lo foi me refugiar na outra sala, mais fechada com o solitário defunto.

O medo, o frio e a tensão me fizeram cochilar ante aquele corpo sem vida, sendo acordada por uma senhora que me perguntou se eu era da família do falecido, diante da negativa, piedosa, quis saber o que eu fazia ali sozinha e eu expliquei toda aventura vivida naquela noite que me levara àquele local, principalmente por perder o último ônibus e por temer ficar na  rua, ali foi o última abrigo encontrado.

Penalizada e com muito carinho, me convidou para ficar junto com a família dela na outra capela, onde permaneci com eles por um bom tempo e tão logo raiou o dia saí sorrateiramente,  preocupada em chegar em casa antes que sentisse minha falta.

Quando finalmente cheguei em casa depois de toda maratona noturna, não consegui entrar. A porta estava trancada, então fui para a varanda da casa da minha mãe, que ficava ao lado da minha e deitei num velho banco de madeira onde sem muito esforço, apaguei pelo cansaço. De manhã quando o minha mãe ia saindo para  para trabalhar, se assustou com minha presença ali e quis entender o que eu fazia ali e eu me justifiquei, dizendo que quando cheguei havia chamado todo mundo, mas que ninguém me ouviu e eu não quis incomodar.

O cheiro forte das flores da capela estava impregnado em mim e ela ao perceber, lembrando velhas superstições, se benzeu e comentou que o aroma floral, parecia uma premonição sobre a morte de alguém na vizinhança.

Finalmente entrei em casa, tomei meu merecido banho e fui para a cama descansar pelo menos algumas horas antes de seguir para o trabalho que se iniciaria naquela manhã bem cedo. Aquele inusitado episódio, me fez refletir que eu tinha passado grande parte da noite com um homem desconhecido, morto, numa capela, por achar muito mais seguro sua companhia à dos imprevisíveis vivos.

 
 
 

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